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FRIDA KARLA: tristezas e liberdades - Capitulo 1 Muito Prazer
Eu sou Frida Karla. Não considero ter nenhum problema. Tenho ausências e isso é o que me dói, mas gosto de todas as cores das ausências da minha vida, porque assim, pelo menos, tenho belas matérias-primas... Não existo em carne e osso. Não quero biografar minhas dores. Elas passaram e são muitas. Não pretendo sentir as penas e os ais das pessoas que me ouvem.
Não posso ser só uma. Sou, no mínimo, duas ou três, mas não sou fragmentada. Ao mesmo tempo em que amo, tenho nojo. As tantas que moram em mim são contraditórias e antagônicas, mas convivem bem, obrigada. Às vezes há certos desentendimentos, porque dentro de mim, nessas que moram em mim, a liberdade é algo ainda intocado. A liberdade é frágil como a libélula que morre na poça d’água da lavadeira da minha infância. E sem liberdade sempre há intrigas, porque mesmo quando dizemos que não, queremos apenas ser livres.
Nunca foi belo oferecermos nossos sacrifícios aos homens. Ou à sociedade. Nunca foi de nosso livre senso, de nossa livre alma (porque nossa alma sempre foi livre) oferecer ao sacrifício nossos longos cabelos negros, mas amarrados ou pequenos pés delicados, mas atrofiados. Sempre desejamos apenas estar do lado de nossos homens, amando-os, mas sendo respeitadas. Impossível.
Temos uma profunda tristeza de termos sido ovelhas, tanto faz negra, parda, amarela ou branca, ovelha tem sempre um pastor e nunca se manda. Nunca gostamos de ser peças de troca para alargar as terras, correntes de feudos insalubres. Eu sou tantas e muitas no desejo das liberdades que ecoam em minhas mãos loucas de mulher vira-lata. Sou vagabunda. E gosto de passar éter no corpo do outro. Éter para fazer o outro inebriar-se de mim, como se estivesse preso à cama do hospital, de pernas mãos e coração apenas endereçados a mim.
O hospital tem um pouco da minha casa. Sofri muitas dores e elas só se curaram lá. Não tenho mais medo de anestesia e já me dou bem com remédios. Sou pobre, mas também sou livre como as gatas. Meus olhos podem permanecer escondidos, mas apenas o véu é vergonha, eu sou poderosa luna.
Estar entre a vida e a morte, pelo menos me ensinou a enfrentar as cirurgias necessárias. Jamais quis oferecer pratos perfeitos ou bordados bem acabados. Prefiro destruir todo o escritório do que ser escrava triste. Não posso oferecer balé, elasticidade, cintura ou castidade.
Sempre quis oferecer minhas pernas abertas e meus olhos desafiantes. E faço de bom grado.
Não quero esperar ninguém.
Não quero pescoço elegante onde brilhem os mais ferozes diamantes. Ofereço as minhas garras e meus olhos penetrantes por dentro das seivas da vida.
Ofereço meus passos descontrolados pela avenida, decorando o samba enredo bem na hora da escola sair campeã, bem na hora dos holofotes pairarem sobre mim. Ofereço meu rosto aberto e minha coragem. As muitas que moram em mim são nômades, por isso ouso comer de todas as espécies. Quero sobreviver!
Mas não tenho medo da extinção.
E é triste saber que querem depositar em nós o sonho da fertilidade eterna. Só serve se for mãe! Já somos desde que nascemos. Nós trazemos a semente que floresce todos os meses. Mas devem respeitar as nossas escolhas. Eles não querem aceitar que nós podemos escolher.
Que se dane a santidade do padre, eu nem quero as terras da igreja, quero os segredos do vinho na pele do padre. Os santos nada entendem do amor verdadeiro, porque querem pureza. Tudo os confunde!!! Querem nos mandar. Sou muitas e as diversidades me refazem. Só não podemos ser como barata tonta virada de cabeça para baixo.
Prefiro ser osga subindo pelas paredes e se escondendo quando necessário. A diversidade é de fato, criadora em nosso ventre.
Essa sou eu.
Daí não considero que tenho problemas. Não tenho pernas. E isso, muitas vezes, dói... A amputação foi necessária pelo grau da infecção, mas o pior foi o abandono dele e dos meus. Minha história é feita de tristeza e liberdade, mais tristeza que liberdade. Entretanto, esse resto de liberdade que trago nas mãos é o que me permite vencer a tristeza.
Olho nos olhos de qualquer um e me atrevo a me curar um pouco mais todo dia. Moro num sótão. Escolhi a solidão após inúmeras tentativas de felicidade e gosto da solidão do meu sótão. Mas gosto mais quando algumas borboletas se abrem em minhas janelas para sussurrarem coisas da vida. Ainda me lembro da cor da vida e de todas as suas reticências...
As borboletas me fazem acreditar que ainda posso preencher vazios com alguma emoção...
Gosto também de pintar e de escrever.
Pintei várias telas hoje e me senti mais leve, não mais feliz. Essa palavra estranha - felicidade - não pode mais reinar em minhas mãos, telas ou ossos.
carla nobre
Enviado por carla nobre em 25/11/2013
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