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EU E A LEITURA : DEVANEIOS E DESCOBERTAS DE UMA MENINA DE LETRAS

Tem gente que parece vento, peixe, estojo de maquiagem... Até gente que parece régua e ar eu já encontrei. E faz algum tempo, descobri que pareço é com as letras. De todos os tipos e tamanhos. As letras invadiram minha vida quando eu era adolescente. Comecei lendo o “poeta das mocinhas” (termo que já descobri adulta, na faculdade). J. G. de Araújo Jorge trouxe para minha vida poemas que até hoje ressoam na minha memória. Eram todos de amor! E eu vivia apaixonada pelo livro grosso, de capa dura e vermelha, com letras douradas. Foi por ele que descobri a possibilidade de ter uma carteira da biblioteca. Juntei todos os apetrechos necessários e fui lá: “moça, posso tirar a minha carteira?” Depois foi só renovar e renovar e renovar, até quando eu terminei o ensino superior, imaginem só... Engraçado que o meu encontro com o poeta foi bem por acaso. Entrei na biblioteca com timidez e ia pedir um livro de poemas (sempre gostei de poemas). Antes de falar com a moça, vi aquele volume 3 do meu poeta (que eu ainda não conhecia) e resolvi abrir. Pronto: inaugurava-se  aí  meu programa predileto para as tardes e aulas gasetadas. E foi uma aventura inesquecível e só minha...

Mas com a carteirinha nas mãos, também descobri que existiam os contos  e as crônicas. E comecei a ler alguns. Foi a Rachel de Queiroz e a Lígia Fagundes Telles, que me mostraram o início desse mundo. Às vezes com medo, às vezes com tristeza e às vezes com risos. E o que eu mais gosto, é que esses sabores contraditórios das letras, permanecem até hoje em meus devaneios de leitora (e escritora).

É preciso ainda pedir perdão pelas nossas preferências. Tenho algumas e não posso envergonhar-me se me dão tanto prazer. Tampouco abandoná-las se já se firmaram em vício gostoso dentro de mim. Minha preferência mais amada, aquela que é necessário reafirmar e dizer preferência preferida, chama-se Lygia  Bojunga. Confesso que me é impossível resistir a um de seus volumes. Reli mil vezes A  bolsa Amarela  e tenho que reler mais mil, para saciar as vontades que me crescem. E me dói profundamente lembrar que emprestei Os colegas e até hoje a pessoa não me devolveu. Me dói e me aborrece. Lygia Bojunga  é uma dessas paixões que me fazem largar tudo, até meus filhos amados, para o solitário e encantado mundo das letras. Nós três foi o título que mais me impugnou de tristeza... E Angélica me deu a certeza de que nosso caso amor é fiel e intenso.

Bem, sobre esse fiel é preciso explicar: O que me amarra nas letras são as suas possibilidades. Por isso, não fico evitando novos casos de amor. Nesse ponto sou bem promíscua (noutros também, que ninguém é de ferro...). Foi assim que descobri a Lya Luft, com todo o seu lirismo e lição de vida. De cara me apaixonei: Pensar é transgredir. Esse é um companheiro maduro e autêntico, mais um volume vermelho com letras douradas...

Ainda em matéria de poema, não posso esconder meu deslumbramento por Elisa Lucinda, Thiago de Mello, Cora Coralina, Manuel de Barros, Cecília Meireles, Carlos Drummond, Ferreira Gullar, Fernando Canto e tantos outros que não cabem em apenas um depoimento, mas que fazem valer a pena os gastos nas livrarias e o sabor da vida renovada...

A Internet, também  tem  se revelado uma grande amiga para as letras. É certo que nos tira aquele sabor de sentar/ deitar/ abrir o livro/ folhear/... mas é um novo instrumento para um novo século... Foi a Internet que me ampliou os horizontes para conhecer ainda mais poetas, descobrir novos poemas dos já conhecidos e um outro grande tesouro: a prosa de Cecília Meireles.

Já a Clarice Lispector, confesso: prefiro suas crônicas. São elas que me paralisam a pensar e a indagar o meu cotidiano. Mas A Hora da Estrela também cravou-se em mim, com emoções paradoxais e tristes, que exigiram releituras.

A Fada que tinha Idéias, de Fernanda Lopes de Almeida, é um livro que permanece em mim de tal forma, que
a autora até ouviu minhas preces para adaptar o texto para o teatro. Quem sabe um dia ouso montar esse espetáculo?

Ah! Há tantos casos de amor que travei com as letras... Há também tantos por iniciar... Lembro que com 16 anos, lancei-me ao desafio de ler Pássaros Feridos. Eu tinha um irmão pequeno que eu era responsável para fazê-lo dormir. ADORAVA! Ia pra rede e levava meus livros. Ficava a tarde toda me embalando nas letras... Quando cheguei ao fim dos Pássaros Feridos,  tive a certeza de queria ser professora. Não, não é porque o livro falava disso, mas é que ele tinha uma tal magia que eu queria que outras pessoas aprendessem a ler. Eu ia então, ensinar a ler e a escrever. Este seria meu ofício. Hoje sei que meu ofício é muito mais que isso: é chamar, convidar, seduzir pelas palavras. Levando aos outros um pouco das descobertas e dos devaneios que me seguem pela vida adiante.

Mas paixão, paixão mesmo, daquelas de verdade, exige muito da gente. Um compromisso, uma dedicação, um afago... Tudo ilimitado. E há paixões que duram a vida inteira, nos seguindo mesmo nas epígrafes e nos epitáfios, tornando quente o corpo já frio, incendiando o mármore
carla nobre
Enviado por carla nobre em 04/02/2007


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